Tarefa dos enxovais
Orson Peter Carrara
Voluntários
anônimos ou vinculados a grupos de diferentes denominações religiosas
dedicam-se ao amparo de gestantes carentes, com a distribuição de enxovais para
os bebês que vão chegar; em alguns casos, inclusive, com cursos de orientação
nos cuidados com a gestação e com os futuros filhos. Com arrecadação e doações
provenientes de diversas fontes, para a aquisição de tais enxovais, o fato é
que há décadas o importante trabalho existe em muitas cidades e grupos, sem
falar das iniciativas individuais, com a confecção de roupinhas, sapatinhos e
outros acessórios de atendimento aos recém-nascidos.
Sobre
o tema, trago aos leitores duas diminutas histórias de um ângulo que talvez o
leitor não se tenha dado conta:
1 – A pobre
mulher, já com oito filhos numa verdadeira escada cronológica, aguardava o nono
rebento e procurou ajuda para receber a doação de um enxoval para o bebê.
Vivendo com muita dificuldade familiar, muito magra e quase passando fome, o
marido estava desempregado e entregou-se à bebida, chegando violento em casa
todo dia, atingindo a esposa e os filhos. Ela não reclamava do marido, dizia
que ele era bom e tentava afogar a angústia do desemprego na bebida. Feito o
cadastro e avaliação, ela recebeu a farta sacola com as roupinhas. Foi de
surpresa em surpresa, chegando às lágrimas, com a qualidade, quantidade e
beleza das peças acumuladas e que lhe eram doadas. Chorou de intensa emoção e
comoveu o marido da mesma forma que, percebendo receber tanta generosidade de
pessoas que nem conhecia – fez inúmeras perguntas sem entender o fato de
receber tantos mimos e acessórios extras em meio às bonitas e cheirosas
roupinhas para o filho que chegaria –, que tomou uma decisão: largou a bebida e
mudou o rumo da própria vida. Logo conseguiu um emprego e a vida do casal,
embora difícil, voltou à normalidade.
2 – A moça,
muito jovem e humilde, engravidara do namorado que – como sempre ocorre – ao
saber da gravidez a abandonara. Filha única, foi rechaçada pelo pai já idoso em
virtude da gravidez não programada, até por uma questão cultural de formação do
pai, habituado à rigidez dos costumes. Sensibilizou-se, todavia, com o farto
enxoval que a filha recebeu em doação. Não podia acreditar na generosidade de
pessoas desconhecidas. Embora mantivesse postura inflexível ante os primeiros
meses, deixou-se vencer pelas vibrações que aquelas peças emitiam, chegando a
afirmar: “Se até Deus está ajudando, porque não vou ajudar. Eu aceito ela de
volta com meu neto”.
As
duas pequenas histórias revelam algo extraordinário. Não são as doações em si,
mas o amor com que foram planejadas, organizadas e mesmo entregues. Usei o
exemplo dos enxovais, mas poderia falar sobre a distribuição de sopa ou
atendimento a mendigos, idosos, famílias inteiras, ou os atendimentos médicos e
odontológicos, entre outros, de voluntários abnegados na área de saúde ou da
educação, como a alfabetização, etc., entre outras notáveis iniciativas
humanitárias em favor da população mais carente.
É
que todo gesto ou iniciativa impregnada de amor, do desejo de ajudar, de
aliviar a agrura do semelhante, igualmente impregna o material usado e
beneficia diretamente aqueles que recebem os benefícios, muito além do próprio
objeto ou acessórios doados e recebidos.
Os
gestos desprendidos de amor em favor do próximo operam autênticos milagres de
transformação em favor do bem e da harmonia, individual e coletiva. O amor é
capaz de impregnar ambientes, sensibilizar corações endurecidos, despertar a
esperança e a alegria de viver. Onde colocamos o amor tudo se transforma. Como
no caso da duas histórias.
As
duas bonitas histórias – num total de sete – estão no último capítulo do
extraordinário livro Diversidade dos
Carismas, de Hermínio Miranda, que desejo recomendar ao leitor. O capítulo
tem o nome de Os carismas e a caridade, que desejo recomendar aos leitores.
Agora
uma última análise: esses gestos de desprendimento, de renúncia em favor do
próximo, do amor que procura e se preocupa com o bem estar alheio, nada mais é
que a maravilhosa influência do Cristo nos corações humanas. Sua presença
ilumina, convoca ao bem e faz sentir o autêntico amor que confia e sente a dor
alheia, procurando minorá-la.
Surge
novamente o Natal e a presença doce e suave do Mestre da Galileia nos pede
olhar à nossa volta, antes da satisfação própria no consumismo, e atender à
massa humana carente de amor essencialmente. Como faremos? O que faremos? Para
quem?
Eis
uma descoberta pessoal, que cada um fará à sua forma. Não há uma receita
própria. Francisco de Assis, despojado de tudo, rejeitado pela família,
incompreendido de todos, achou seu caminho e fez-se instrumento de paz para o
mundo... E nós, o que estamos fazendo? Deixando-nos consumir pelo pessimismo e
pela reclamação, ou procurando nosso caminho para igualmente servir de alguma
forma, pelo menos em gratidão ao Mestre que conduz a Humanidade?
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