Médiuns inescrupulosos

 


Médiuns enganadores são censurados Orson Peter Carrara

 

No item 317 de O Livro dos Médiuns (constante do capítulo XXVIII – Charlatanismo e Prestidigitação – na segunda parte) Kardec reproduz trecho de carta datada em Paris no dia 21 de julho de 1861 e que também publicou na Revista Espírita de agosto do mesmo ano. Assinada por Mathieu, o texto da carta é tão importante quanto o comentário que Kardec introduziu na Revista Espírita e que não consta da obra básica citada. Os dois documentos formam uma orientação bastante segura que merece ser conhecida.

O texto da carta enviada a Kardec refere-se às fraudes produzidas por médiuns inescrupulosos. Destaco trecho parcial do autor da missiva:

“(...) Misturar o falso com o verdadeiro, quando se trata de fenômenos obtidos pela intervenção dos Espíritos, é simplesmente uma infâmia, e haveria obliteração do senso moral no médium que julgasse poder fazê-lo sem escrúpulo (...)”.  E acrescenta:

´Conforme o observastes com perfeita exatidão — é lançar a coisa em descrédito no espírito dos indecisos, desde que a fraude seja reconhecida. Acrescentarei que é comprometer do modo mais deplorável os homens honrados, que prestam aos médiuns o apoio desinteressado de seus conhecimentos e de suas luzes, que se constituem fiadores da boa-fé que neles deve existir e os patrocinam de alguma forma. É cometer para com eles uma verdadeira prevaricação.”

E, antes da última frase que autoriza Kardec publicar a carta caso a julgasse oportuna, o autor conclui:

“Todo médium que fosse apanhado em manejos fraudulentos; que fosse apanhado, para me servir de uma expressão um tanto trivial, com a boca na botija, mereceria ser proscrito por todos os espiritualistas ou espíritas do mundo, para os quais constituiria rigoroso dever desmascará-los ou infamá-los.”

Antes de publicar a carta o Codificador usa a seguinte expressão: Os médiuns enganadores são censurados, como o merecem (de onde tirei o título da presente abordagem), abrindo espaço para o texto do Sr. Mathieu.

 

Na Revista Espírita, de agosto de 1861:

A mesma carta está também reproduzida na edição em destaque nesse subtítulo acima. Na seção Correspondências ele usa o título: Carta do Sr. Mathieu sobre os médiuns trapaceiros.

Aí que novamente se faz presente toda a lucidez do Codificador.

O comentário é tão preciso que desisti de transcrever parcialmente, decidindo pela transcrição integral, para brindar-nos o raciocínio:


Não esperávamos menos dos sentimentos dignos que distinguem o Sr. Mathieu, senão essa enérgica reprovação aos médiuns de má-fé. Teríamos, pelo contrário, ficado surpreendidos se ele tivesse encarado friamente e com indiferença tais abusos de confiança. Eles podiam ser mais fáceis quando o Espiritismo era menos conhecido, mas, à medida que esta Ciência se espalha e é melhor compreendida, que melhor se conhecem as verdadeiras condições em que os fenômenos podem produzir-se, por toda parte encontram-se olhos clarividentes capazes de descobrir a fraude. Denunciá-la em qualquer parte onde ela se mostre é o melhor meio de desencorajá-la.

Disseram que era melhor não desvendar essas torpezas, no interesse do Espiritismo; que a possibilidade de enganar poderia aumentar a desconfiança dos indecisos. Não somos desta opinião e pensamos que mais vale que os indecisos sejam desconfiados do que enganados, porque, uma vez sabendo que o foram, poderiam afastar-se para sempre. Além disso, haveria um inconveniente ainda maior, o de crerem que os espíritas se deixam iludir facilmente. Ao contrário, estarão tanto mais dispostos a crer quanto mais virem os crentes cercarem-se das maiores precauções e repudiarem os médiuns susceptíveis de enganar.

O Sr. Mathieu diz que não pode ser tão severo quanto nós a respeito de médiuns que, de uma forma digna e discreta, aceitam uma remuneração pelo tempo consagrado ao assunto. Estamos perfeitamente de acordo que pode e deve haver honrosas exceções, mas como o atrativo do ganho é uma grande tentação e como as pessoas neófitas não têm a necessária experiência para distinguir o verdadeiro do falso, mantemos nossa opinião de que a melhor garantia de sinceridade está no desinteresse absoluto, porque onde nada há a ganhar, o charlatanismo nada tem a fazer. Aquele que paga quer algo por seu dinheiro e não se conformaria se lhe dissessem que o Espírito não quer agir. Daí à descoberta de meios de fazer o Espírito agir a todo custo, há apenas um passo, conforme o provérbio: a necessidade é a mãe da indústria. Acrescentamos que os médiuns ganharão cem vezes mais em consideração do que deixam de ganhar em proventos materiais. Diz-se que a consideração não alimenta a vida. É certo que não basta, mas, para viver, há outras atividades mais honestas do que a exploração das almas dos mortos.

Nada mais ouso acrescentar.

 


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