Dona Maria
por Orson Peter Carrara
Durante algum tempo, na década de 90, presidi o Lar Espírita José Gonçalves, em Mineiros do Tietê, minha cidade natal. Fundada em 1940, continua sua tarefa de acolher idosos que estejam em desamparo. Ali muito aprendi na convivência com idosos de diferentes experiências de vida.
Entre as vivências marcantes destaco a personalidade de Dona Maria. Conheci-a desde criança; quando me dei conta de mim mesmo, ela já era a cozinheira do Lar. Sempre com mão firme e responsabilidade, durante décadas ela foi a responsável pela alimentação diária dos demais idosos, com o café da manhã e da tarde, almoço e jantar, todos os dias. Residia no Lar pois ali viera também em desamparo e sua honestidade e firmeza sempre foram admiráveis.
Minha infância passou e cresci observando a determinação daquela valorosa mulher. Algum tempo depois de assumir a presidência da instituição, ela, já idosa, adoeceu e viveu períodos de muita dificuldade com a saúde.
No período terminal de vida, com a doença persistente, ela sofria em intensa agonia. Certa noite de intenso sofrimento, já sem conseguir falar e se alimentar, aproximei-me dela e falei-lhe aos ouvidos: Dona Maria, acalme seu coração, pode partir sem medo, sem receios. A vida continua e a senhora será bem recebida pelo amor e dedicação de tantos anos a esse Lar. Não tenha medo. O amparo de Deus nunca falta e também não lhe faltará. Somos todos imortais. Não tenha medo, estou aqui contigo e numerosos amigos queridos te aguardam para igualmente te amparar...
Aquelas palavras funcionaram, parece-me, como uma senha para aquele coração sofrido. Ela realmente acalmou-se e partiu...
O fato marcou-me profundamente. Vivi experiências semelhantes com outras pessoas e pude concluir que muitos temem partir. Medo de não mais viver, medo do desconhecido. A imortalidade, todavia, é realidade patente que precisamos sempre divulgar amplamente e muitas vezes falar particularmente nesses casos, ajudando as pessoas a se desprenderem do corpo, nos casos de agonia que se agrava com o medo, sem cometermos o equívoco da eutanásia ou o estímulo à ilusão do suicídio. O conforto aqui é moral. O que se deseja dizer é exatamente essa presença carinhosa que se pode oferecer aos que estão próximos da partida para a vida nova, encorajando-os com a glória da imortalidade.
Escrevi equivoco da eutanásia e ilusão do suicídio. É isto mesmo. Não errei. O momento de partir pertence a Deus, pois o último instante pode ser decisivo nas reflexões e decisões da alma imortal, que prosseguirá vivendo, daí não termos o direito de matar – na prática da eutanásia. No caso específico do suicídio – grave ilusão que precipita seu protagonista em situações piores daquelas que desejou fugir – a primeira grande decepção que o aguarda é reconhecer-se vivo, com os agravantes do remorso agudo, das dores próprias do gesto e das aflições do sofrimento que ocasionou à família, sem condições de reparação imediata.
Por isso tudo, a dedicação persistente de Dona Maria – durante boa parte de sua idade madura – apesar das dificuldades que enfrentou, valeu muito no momento de partir, serena e confiante. Afinal, a vida é muito preciosa para ser desprezada e a imortalidade é realidade palpável para todos.
Durante algum tempo, na década de 90, presidi o Lar Espírita José Gonçalves, em Mineiros do Tietê, minha cidade natal. Fundada em 1940, continua sua tarefa de acolher idosos que estejam em desamparo. Ali muito aprendi na convivência com idosos de diferentes experiências de vida.
Entre as vivências marcantes destaco a personalidade de Dona Maria. Conheci-a desde criança; quando me dei conta de mim mesmo, ela já era a cozinheira do Lar. Sempre com mão firme e responsabilidade, durante décadas ela foi a responsável pela alimentação diária dos demais idosos, com o café da manhã e da tarde, almoço e jantar, todos os dias. Residia no Lar pois ali viera também em desamparo e sua honestidade e firmeza sempre foram admiráveis.
Minha infância passou e cresci observando a determinação daquela valorosa mulher. Algum tempo depois de assumir a presidência da instituição, ela, já idosa, adoeceu e viveu períodos de muita dificuldade com a saúde.
No período terminal de vida, com a doença persistente, ela sofria em intensa agonia. Certa noite de intenso sofrimento, já sem conseguir falar e se alimentar, aproximei-me dela e falei-lhe aos ouvidos: Dona Maria, acalme seu coração, pode partir sem medo, sem receios. A vida continua e a senhora será bem recebida pelo amor e dedicação de tantos anos a esse Lar. Não tenha medo. O amparo de Deus nunca falta e também não lhe faltará. Somos todos imortais. Não tenha medo, estou aqui contigo e numerosos amigos queridos te aguardam para igualmente te amparar...
Aquelas palavras funcionaram, parece-me, como uma senha para aquele coração sofrido. Ela realmente acalmou-se e partiu...
O fato marcou-me profundamente. Vivi experiências semelhantes com outras pessoas e pude concluir que muitos temem partir. Medo de não mais viver, medo do desconhecido. A imortalidade, todavia, é realidade patente que precisamos sempre divulgar amplamente e muitas vezes falar particularmente nesses casos, ajudando as pessoas a se desprenderem do corpo, nos casos de agonia que se agrava com o medo, sem cometermos o equívoco da eutanásia ou o estímulo à ilusão do suicídio. O conforto aqui é moral. O que se deseja dizer é exatamente essa presença carinhosa que se pode oferecer aos que estão próximos da partida para a vida nova, encorajando-os com a glória da imortalidade.
Escrevi equivoco da eutanásia e ilusão do suicídio. É isto mesmo. Não errei. O momento de partir pertence a Deus, pois o último instante pode ser decisivo nas reflexões e decisões da alma imortal, que prosseguirá vivendo, daí não termos o direito de matar – na prática da eutanásia. No caso específico do suicídio – grave ilusão que precipita seu protagonista em situações piores daquelas que desejou fugir – a primeira grande decepção que o aguarda é reconhecer-se vivo, com os agravantes do remorso agudo, das dores próprias do gesto e das aflições do sofrimento que ocasionou à família, sem condições de reparação imediata.
Por isso tudo, a dedicação persistente de Dona Maria – durante boa parte de sua idade madura – apesar das dificuldades que enfrentou, valeu muito no momento de partir, serena e confiante. Afinal, a vida é muito preciosa para ser desprezada e a imortalidade é realidade palpável para todos.
Grande exemplo de dedicação, o magnetismo da palavra que abranda, somos colaboradores em momentos que nem sequer podemos imaginar, muito bom relato.
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