Furto legal
por Orson Peter Carrara
A
expressão que usamos como título parece incoerente, mas é verdadeira: há um
furto permitido por lei, com testemunhas inclusive. É um furto legalizado, no
bom sentido da palavra. Nestes tempos bicudos de tensão, correria e
preocupações, o texto abaixo, poético, real e suave, auxilia a dar uma trégua
nas neuroses do cotidiano. Acompanhe comigo:
“(...) Há um furto legal permitido por Deus, pelas
diversas religiões do globo e por todos os Códigos dos países cultos ou bárbaros: – consiste em ir alguém a um lar venturoso,
cobiçar um dos seus mais belos ornamentos e usurpá-lo, com o assentimento dos
lídimos possuidores, contentes ou constrangidos. Chama-se casamento. É como se
alguém entrasse num jardim florido e colhesse o mais precioso espécime, o que
mais o deslumbrara, à vista do seu cultivador que, às vezes, não contém as
lágrimas... Acho-me na situação desse egoísta, apreciador dos tesouros alheios,
amigo... Observo a dita mais perfeita no vosso lar abençoado e venho roubar-vo-la
em parte, ou antes, desejo transplantar para o meu, deserto e entristecido, por
falta de um arcanjo doméstico, uma centelha de alegria, de felicidade, de luz
espiritualizante, que as há em abundância no vosso: quero enfim, meu amigo,
permitais a aliança nupcial de Sonia com o meu Henrique... (...)”.
O
texto transcrito é a expressão do pai do noivo para o pai da noiva, naqueles
tempos em que os pais escolhiam o casamento para os filhos. Os dois sogros,
amigos entre si, conversavam e um deles, viúvo, e pai do noivo, faz o pedido de
noivado e casamento ao pai da moça. O poético texto está no belíssimo livro Do Calvário ao Infinito, de Victor Hugo,
que narra a impressionante saga de um personagem cuja vida é repleta de
dissabores de toda ordem, mas traz a suavidade de outra personagem, Sonia, que
encanta pela beleza e nobreza de sentimentos.
Realmente
os filhos são mesmo pérolas na vida humana. Quando se casam formam a própria
vida, como deve ser mesmo, para construírem sua própria independência ao lado
de outra família, com os desdobramentos próprios que é preciso entender e
apoiar.
Dessa
união natural, surgem outros filhos, os chamados netos, que tornam a vida ainda
mais dinâmica e repleta de esperanças e alegrias, fazendo do lar um verdadeiro
laboratório de experiências morais, na educação e no aprendizado. Vale lembrar:
“Desde pequenina , a criança manifesta os instintos bons ou maus que traz
(...). A estudá-los devem os pais aplicar-se. Todos os males se originam do
egoísmo e do orgulho. Espreitem, pois, os pais os menores indícios reveladores
do gérmen de tais vícios e cuidem de combatê-los, sem esperar que lancem raízes
profundas. Façam como o bom jardineiro, que corta os rebentos defeituosos à
medida que os vê apontar na árvore.”
Somente
assim, formaremos filhos que mais se parecerão tesouros em flor, com a
moralidade educada, com a postura digna de cidadãos conscientes e responsáveis.
O quadro social que encontramos atualmente, caótico, deselegante, agressivo, é
fruto da indiferença ou omissão dos pais, apesar da bagagem que já trazem os
filhos. Na poesia acima transcrita, na formosura moral de uma jovem, vemos o
papel da educação. Aliás, leitor, leia o livro para encantar-se com a
personagem.
A
família é mesmo um laboratório de educação e começa, mesmo considerando a
família anterior, quando dois jovens se unem pelo amor no casamento, formando
uma nova família...
Se o quadro social que encontramos atualmente é caótico, com familias desestruturadas, é pq a própria sociedade está "encantada" com o sono profundo do engodo,demagogias e falsas teorias de moralidade. O que mais se vê é escritores espiritualistas escrevendo ou psicografando receitas de harmonia familiar, mas na prática,seguem uma vida desregrada, avessa às leis morais e muito longe de servir de exemplo para gerações futuras. A saber, o casamento é uma constituição da lei divina, portanto é uma bênção. Jamais podemos considerar que um pedido de casamento seja para "furtar" alguém do seio familiar...Quem pensa assim não espere que será abençoado, pq Deus não é ladrão...
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