Falta de sensibilidade
por Orson Peter Carrara
A história citada pelo escritor
comenta o relacionamento de um casal que muito se ama. Ela desenvolveu um
câncer no seio e teve que extraí-lo, mas isso não abalou o relacionamento do
casal, apesar das dores e aflições. Em cinco anos, o outro seio também foi
afetado, mas o bom e amigo médico que antes a atendera já havia morrido.
Procuraram outro médico, mas este,
completamente insensível às dores do casal e especialmente da mulher, ao vê-la
sem um seio, já exclamou friamente: “Mas a senhora já não tem um seio... Seu
caso é muito mais grave do que eu imaginava”.
E o escritor, comentando a própria
estória, colocou em seu texto: “Fico a me perguntar. Por que é que ele falou o
que falou? Não falou para informar mulher e marido de uma coisa que não
soubessem. Eles sabiam que ela não tinha um seio. Também não falou para
certificar-se de algo que estava vendo mas não via bem, por ser ruim dos olhos,
pois ele enxergava muito bem. E qual a razão do seu frio, imediato e cruel
diagnóstico. Para que falou isso? Era necessário? Não, não era necessário.
Seu
diagnóstico em nada contribuiu para o tratamento daquela mulher. Ou será que
ele falou assim por inocência? Não imaginava o veneno que suas palavras
carregavam? Não imaginava o efeito de suas palavras sobre aquela mulher
despida, sem um seio, humilhada, amedrontada. Se falou por inocência digo que o
dito médico só pode ser um idiota que nada conhece sobre os seres humanos”
E continua: “Crueldade não é algo que
somente existe nas câmaras de tortura. Ela se faz também com palavras. Há
palavras cruéis que apagam a tênue chama da esperança. (...)” E pergunta em
seguida: “(...) qual é o lugar, nos currículos de medicina, onde tanta coisa
complicada se ensina, para uma meditação sobre a compaixão? É na compaixão que
a ética se inicia e não nos livros de ética médica. Ah! Dirão os responsáveis
pelos currículos – compaixão não é coisa científica. Não entra na descrição dos
casos clínicos. Não pode ser comunicada em congressos. Portanto, não tem
dignidade acadêmica. Certo. Mas acontece que não somos automóveis a serem
consertados por mecânicos competentes. Somos seres humanos. Amamos a vida,
queremos viver. Sofremos de dores físicas e de dores da alma: o medo, a
solidão, a impotência, a morte. O que esse médico fez não tem conserto. Uma vez
feito a ferida sangra. Palavras não podem ser recolhidas. O sofrimento foi
plantado.(...)”
E como indagou o autor em seu texto,
deixo a pergunta para nós mesmos: o que é que faríamos na mesma situação? Claro
que não especificamente como médico, pois o exemplo se aplica a qualquer outra
ocorrência de relacionamentos humanos.
A situação traz à lembrança o
capítulo X de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, intitulado Bem-aventurados
os misericordiosos. No subtítulo O
argueiro e a trave no olho, em lúcido texto, pondera o Codificador: “Um dos
defeitos da Humanidade é ver o mal de outrem antes de ver o que está em nós.
(...) Que pensaria eu se viesse alguém fazendo o que faço? Incontestavelmente é
o orgulho que leva o homem a se dissimular os próprios defeitos, tanto ao moral
como ao físico. Esse defeito é essencialmente contrário à caridade, porque a
verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente (...). Se o orgulho é o pai
de muitos vícios, é também a negação de muitas virtudes; encontramo-lo no fundo
e como móvel de quase todas as ações (...)”.
Nessa última palavra, podemos
enquadrar as situações do exemplo acima, na questão médica e que pode ser
transferida para qualquer outra situação, onde nos permitimos desprezar,
discriminar, maltratar com palavras ou acentuar o sofrimento de alguém com
nossa maneira de dizer...
Afinal, nada justifica a
crueldade, ainda que em palavras.
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