Consenso e Verdade
Orson Peter
Carrara
A sábia e conhecida advertência do Espírito Erasto,
constante de O Livro dos Médiuns (1), de que "(...) vale mais
repelir dez verdades do que admitir uma só mentira, uma só falsa teoria
(...)", é bem um convite ao bom senso que caracterizou a personalidade de
Kardec e que deve ser o norteador de passos e iniciativas do movimento
espírita.
A orientação vem bem a propósito diante de novidades ou
propostas que se fazem insinuantes e tentam modificar a clareza com que a
Doutrina Espírita se apresenta, com a introdução de práticas estranhas e
alheias ao pensamento espírita, ainda que com seus valores e méritos. O
critério para aceitar ou rejeitar é simples. A receita foi utilizada pelo próprio
Codificador. É o princípio da universalidade dos ensinos, do consenso
universal. Isso significa que os ensinos recebidos, as propostas ou novidades
apresentadas devem submeter-se, rigorosamente, à concordância de transmissão e
aceitação em todos os lugares, simultaneamente, e por pessoas desconhecidas
entre si.
A própria palavra consenso, que significa
acordo, já traduz um entendimento generalizado, de transmissão de um novo
ensino ou de aceitação recíproca do que foi apresentado. Considere-se que
qualquer novidade, proposta ou novas ideias sempre encontram resistências, mas,
quando são verdades, nada pode impedir que prevaleçam, ainda que demorem
séculos. E a própria Doutrina Espírita permite essa aceitação ao permanecer
disposta ao abandono de algum ponto doutrinário provado contrário pela ciência
e continuamente absorver as conquistas da própria ciência. Aliás esses
parâmetros nunca a deixam ultrapassada, pois a mantém totalmente atualizada.
Alguém poderá levantar as questões litigiosas, que
ainda não chegaram a um acordo geral. Deixemos a resposta com o próprio Kardec:
«A força do Espiritismo não reside na opinião de um homem nem de um Espírito;
ela está na universalidade do ensinamento dado pelos últimos; o controle
universal, como o sufrágio universal, decidirá no porvir as questões
litigiosas; fundirá a unidade da Doutrina bem melhor do que um concílio de
homens. Esse princípio, disso estamos certos, senhores, fará o seu caminho,
como fez o Fora da Caridade não há salvação, porque está fundamentado sobre
a mais rigorosa lógica e na abdicação da personalidade. Não poderá contrariar
senão os adversários do Espiritismo, e aqueles que não têm fé senão em suas
luzes pessoais."(2)
Quanto à verdade, somos incapazes ainda de sua
compreensão absoluta. Ela vai sendo conquistada gradativamente, a lentos e
penosos passos de progresso. Porém, podemos nos entender no consenso geral,
critério utilizado por Kardec para aceitação de novas ideias, ensinos ou
propostas apresentadas.
Trazemos tais reflexões em virtude do que o próprio
Codificador escreveu na Revista Espírita de janeiro de 1862, que transcrevemos
parcialmente: "(...) mas ainda há questões duvidosas, seja que não hajam
sido resolvidas, seja que hajam sido em sentido diferente pelos homens, e mesmo
pelos Espíritos (...) O melhor critério, em caso de divergência, é a
conformidade do ensino pelos diferentes Espíritos, e transmitidos por médiuns
completamente estranhos uns aos outros. Quando o mesmo princípio for proclamado
ou condenado pela maioria, será necessário render-se à evidência. Se é um meio
de se chegar à verdade, seguramente, é pela concordância tanto quanto pela
racionalidade das comunicações, ajudadas pelos meios que temos para constatar a
superioridade ou a inferioridade dos Espíritos; cessando a opinião de ser
individual, por tornar-se coletiva, adquire um grau de mais autenticidade, uma
vez que não pode ser considerada como o resultado de uma influência pessoal ou
local. Aqueles que ainda estão incertos terão uma base para fixar suas ideias,
porque seria irracional pensar que, aquele que está só, ou quase, em sua
opinião, tem razão contra todos (...)".
Com tais pensamentos, não há o que temer. Havendo
dúvidas e falta de consenso, fiquemos com o critério de Kardec: o controle
universal dos ensinos, cujas bases estão solidificadas no consenso geral.
(1) item 230, capítulo XX da segunda parte, página 265
da 49a edição IDE, com tradução de Salvador Gentile.
(2) Revista Espírita, de 1864, p. 141.
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