Continuados testes
Orson Peter Carrara
Considere o leitor que a vida é uma sequência de
desafios nos aprendizados de cada dia, onde se incluem as dificuldades dos
relacionamentos – muitas vezes tensos – e as próprias limitações pessoais.
Na verdade, a vida reserva a cada um de nós a
felicidade completa que, claro, será futura e não imediata. Por esta mesma
razão, é uma construção gradativa, lenta e que exige lutas constantes,
sacrifício dos caprichos nem sempre recomendáveis e esforço nessa direção. E não
é imediata porque é impossível que se conquistem num espaço tão curto e rápido,
como é a vida humana – por mais longa que seja –, as virtudes e o conhecimento
que formam a autêntica felicidade que não está baseada no ter, mas no ser.
Na verdade, é a felicidade oriunda da paz de consciência, onde não há remorsos,
nem arrependimentos e a vida é voltada para fazer o bem em sua integridade.
Lembrei-me dessas considerações ao ler a frase
“(...) A vida, que a todos nos reserva felicidade futura, estrutura-se em
contínuos testes de humildade e paciência. (...)”. A frase consta do capítulo
primeiro do livro Tramas do Destino, de Manoel Philomeno de Miranda, por
Divaldo Pereira Franco.
Primeiro chamou-me atenção a palavra estrutura-se,
no caso da frase em questão, indicando as bases da felicidade futura nos
alicerces da humildada e da paciência. A própria palavra estrutura já indica
solidez, segurança, apoio. Mas ela vem acompanhada da curiosa expressão
contínuos testes, que por sua vez leva à lembrança dos desafios. Afinal, teste
lembra avaliação, exame ou verificação. E a frase é concluída com as virtudes
da humildade e da paciência. Repitamos a frase: “(...) A vida, que a todos nos
reserva felicidade futura, estrutura-se em contínuos testes de humildade e
paciência. (...)”.
Ficou interessante ligar felicidade no futuro com
estrutura (que lembra solidez e segurança, garantia) baseada nas duas citadas
virtudes. E mais ainda perceber a abrangência quando prestamos atenção à
palavra reserva. A vida reserva, ou em outras palavras, a vida trará no tempo
certo ou deixa como herança a felicidade. Vamos entendendo que ela precisa ser
construída nas bases da paciência e da humildade.
Agora pensemos nas virtudes citadas.
Já parou o leitor para pensar nos testes
diários de paciência? Seja na convivência, nos obstáculos, nas carências
próprias, nos travamentos psicológicos, nos embaraços burocráticos ou nas
diferenças individuais que lesam os relacionamentos, na enfermidade e mesmo nas
imperfeições morais que ainda caracterizam a sociedade humana, de quanta
paciência precisamos? E que quando não a cultivamos, e nos deixamos empolgar
pela irritação ou pela ansiedade, quantos prejuízos daí são decorrentes?
Observemos com atenção: somos testados a todos
instante. Assim também no que se refere à humildade. Quantos de nós não somos
vencidos pela vaidade ou pela prepotência, pelo desprezo ou indiferença que
direcionamos a alguém ou aos interesses coletivos e humanitários, no
desrespeito à lei ou às diferenças humanas?
Quantos não somos derrotados pela arrogância
ou pelo desejo de autopromoção?
E aí nos lembramos dos grandes vultos da
humildade e da paciência, vencedores de si mesmos, autênticos heróis e
legítimos representantes dos alicerces que estruturam a felicidade, como Irmã
Dulce, Madre Thereza, Chico Xavier, entre tantos outros, inclusive anônimos...
Ficamos na teimosia da imposição de ideias, nos recalques do ciúme e da inveja,
incomodados com o destaque pessoal próprio e alheio, na tola ilusão de mando,
nos melindres que mais lembram a infância quando falávamos: também não
brinco mais... e com isso vamos adiando a construção da própria felicidade.
Quanto tempo ainda perdemos com discussões vazias,
com maledicência que corre solta, com críticas destrutivas perfeitamente
dispensáveis, iludidos pela própria ganância ou pela prepotência que ainda nos
caracteriza o estágio humano e esquecemos que a felicidade está na consciência
tranquila que só pode mesmo ser conquistada com a paciência e a humildade,
porque estas não exigem nada, não impõem, aceitam, resignam ativamente e agem
bem em favor de todos, sem nada esperar, sem expectativas, sem ansiedade. São
felizes aqueles que gradativamente vão construindo esses alicerces.
Temos muito o que aprender realmente. Não
percebemos ainda que nos perdemos pelo egoísmo, pelo orgulho e pela
intolerância, comportamentos contrários àqueles que trazem a autêntica
felicidade que será conquista inapagável, que o ladrão não rouba, nem a
tempestade destrói ou a traça e ferrugem corroem, como afirmou o Mestre da
Humanidade.
Aliás, por falar Nele, como esquecer seus exemplos
de paciência e humildade para que aprendêssemos a mansidão e a fé? Ele é mesmo
o modelo e guia para a Humanidade, a quem devemos seguir sem receios, temores
ou acomodação. Não há outro caminho, é só por Ele mesmo que conquistaremos essa
lucidez de espírito.