Pediu e chorou
– Orson Peter Carrara
Em declaração emocionada aquele homem
aproximou-se bem devagar e pediu. Estava atônito, aflito, não sabia que rumo
tomar. Esperava-se, óbvio, que ele pedisse dinheiro para completar a passagem –
como é tão comum – ou solicitasse algum alimento. Ou mesmo alegasse enfermidade
de filho ou esposa. Nada disso!
Apenas pediu para ser ouvido. Não
desejava objetos, roupas ou dinheiro, nem mesmo alimentos. Apenas desejava ser
ouvido. Desejava apenas a companhia de outro ser humano para abrir o coração. E
começou a falar.
Disse da solidão que sentia. Falou
que sua aparência simples talvez fosse a causa da indiferença alheia. Sua barba
por fazer, suas roupas e calçados surrados e mesmo por não estar empregado, por
não possuir família, talvez causassem a distância com outros seres humanos.
Sentou na sarjeta e chorou. Chorou não de sofrimento ou de fome, chorou de
emoção porque alguém se dispôs a simplesmente ouvi-lo.
E o que falou? Disse apenas que se
sentia muito só. Que não lhe faltava comida, pois muita gente lhe entregava
pratos prontos, lhe levava roupas e agasalhos, lhe fornecia água e mesmo algum
dinheiro, lhe pagavam lanches vez por outra, mas ninguém parava para conversar
com ele…
O episódio comoveu. Ele remete à
necessidade do calor humano, muito além de doações que satisfaçam a fome ou o
frio do corpo. Fica distante da simples doação de dinheiro, de objetos ou
roupas. Ele pede simplesmente a atenção de olhar nos olhos, de oferecer tempo,
ainda que breve, para ouvir o sentimento daquele que procura.
Verdade seja dita. Ainda somos muito
indiferentes uns com os outros. Optamos mais pela crítica do que pela
observação atenta de sentir a necessidade real de quem está à nossa volta, de
quem nos procura. Não paramos, por pressa, para olhar nos olhos ou simplesmente
raciocinar sobre o que o outro está dizendo. Temos pressa de dizer ou ouvir o
que nos interessa…
Na verdade, fala-se em solidariedade,
em caridade. Mas solidariedade e caridade estão mais no gesto do que no fato.
Caridade é sentir. De nada adianta envolver-se com muitas iniciativas e
permanecer irritado, contrariado. De nada adianta fazer por obrigação. O ideal,
o correto, é fazer com amor, por amor.
E este fazer com amor ou por amor, é
sentir. É sentir o que se faz. Sentir-se bem em estar presente, em participar,
em poder colaborar.
Aliás, por falar em colaborar, a
cooperação é lei da vida. Nada se faz isoladamente. Todos precisamos uns dos
outros, muito mais do que imaginamos. E isto sugere a atenção que podemos nos
dispensar mutuamente.
Atenção que muitas vezes é sinônimo
apenas de ouvir. Como no caso relatado, verídico e comovente.
Já imaginou o leitor alguém sentar-se
e chorar apenas porque alguém se dispôs a ouvi-lo. Quanta indiferença não
sofreu? Quanto desprezo experimentou?
Aí ficamos a pensar em nossa pequenez!
Ainda guardamos tanta arrogância interior! Para quê? Não é melhor assumirmos
nossa condição de seres humanos…?!