Somos pias cujas torneiras pingam ou temos vazamentos que reclamam?
Benefícios
de uma pia – Orson Peter Carrara
Nem nos damos conta da utilidade de uma pia na cozinha. Por
décadas nos servem na higiene de pratos, panelas, talheres e outros utensílios.
Com água e esgoto encanados, seu uso é de validade extraordinária na produção e
higiene dos alimentos, antes e depois das refeições. Várias vezes ao dia, desde
o café da manhã até a leve refeição da noite. Bem próximo dela, nos reunimos
comumente em família, para os deliciosos cafés da tarde, nos almoços e jantares
ou leves lanches, valendo-nos de sua presença silenciosa e útil, providencial e
muito oportuna.
Quantas confissões ela já não presenciou e registrou,
absorveu em si mesma na estrutura material que lhe caracteriza, impregnada das
vibrações de uma família, onde a cozinha é o local onde mais se reúnem as
famílias para os variados diálogos da vida cotidiana.
Quanto lavar as louças!!!!, diriam maridos e esposas, diante
do dinamismo do que se passa na cozinha, valendo-se dos benefícios de uma pia
que, por mais simples ou sofisticada que seja, não deixa de ser uma valorosa
companheira familiar. Está sempre, continuamente, saturada de louças, panelas,
talheres, alimentos em preparo ou higienizados para a geladeira. Várias vezes
ao dia.
Podemos fazer, com essa ideia ou utensílio tão esquecido,
várias comparações, a depender da imaginação de cada um. Vamos aqui compará-la
ao corpo físico que utilizamos ou à importância da existência material, no
corpo, por décadas seguidas.
Quantas situações rotineiras, repetidas diariamente?!
Higiene pessoal, afazeres domésticos e profissionais, repetidos
continuamente... Com quantas pessoas, situações e circunstâncias tão diversas
não nos envolvemos diariamente?! Todas passam por nós, com elas aprendemos ou
ensinamos, somos desafiados ou desafiamos, negligenciamos ou nos omitimos,
somos indiferentes ou operosos?! E lá estamos nós, ocupando um corpo durante um
certo tempo, expostos à diversidade das ocorrências. Sempre aprendendo algo, às
vezes desejando fugir de algo ou alguém, muitas vezes temerosos e em outras,
decididos, encorajados ou preguiçosos, acomodados. E nem percebemos que também
podemos nos colocar na condição de servidores, como uma pia... que serve...
continuamente, sem reclamar, sujeitando-se à disciplina, limpeza ou organização
do habitante daquela residência.
Assim como nas pias de indústrias, restaurantes, banheiros
individuais ou coletivos, a utilidade é a mesma: sempre a disposição de servir.
Em silêncio e com presença perseverante, assemelhando-se a alguém disposto a
socorrer ou pronto para servir.
Assim como é um tanto desanimador ver uma pia de cozinha
após um almoço familiar aos domingos, que merece até uma foto para a rede
social com os dizeres: “Coragem, vamos lá!”, é preciso também coragem diante
dos desafios diários. Levantar a cabeça, prosseguir e guardar consigo aquela
diretriz da vida: “Em que e como posso ser útil agora?”
A vida material é um estágio valiosíssimo, nunca deve ser
desprezada. Temos muitas vantagens sobre uma pia. Esta está lá, fixa, presa na
parede, mas mesmo assim serve sem cessar. Nós podemos nos movimentar, somos
capazes de pensar e sentir e buscar alternativas na solução dos desafios. A pia
não tem outra alternativa: ela deve servir de base para tudo que precisa ser
higienizado, estrutura-se com água encanada, vale-se dos detergentes e
direciona seus detritos para o lixo ou para o esgoto, sempre sob ação humana.
Ação humana que pode abandoná-la à sujeira, entupi-la ou enfeia-la por descuido
e aí se abrem imensos outros ângulos de abordagem que deixo à imaginação do
leitor.
Pensando, pois, em tais benefícios, especialmente da
companhia útil, silenciosa, discreta e servidora de uma pia, mas também nos
descuidos para com ela sob ação humana negligente, que tenhamos sempre o
discernimento de cuidar de nós mesmos e também daqueles que convivem conosco.
Sim, para que não sejamos “torneiras” que “pingam”
reclamações ou palavrões a todo instante ou não sejamos detritos que “entopem”
nossos entes queridos com acusações ou agressividades dispensáveis (aliás
acusações e agressividades são sempre dispensáveis) ou fiquemos a “vazar”
maledicência ou revolta, contaminando os ambientes.
Muito melhor a discrição, a boa vontade, a disposição, o
desejo de ser útil no ambiente onde estamos. Afinal, aproveitando a mesma
figura ilustrativa, se a louça ali está para ser lavada, levantemos e vamos ao
trabalho, servindo sempre!
Esse texto nasceu hoje ao observar a pia durante o café da
manhã. E olha que existem pias com ou sem gabinete, de mármore, de granito, com
duas ou mais cubas, com um ou mais torneiras (e estas podem ser simples ou
sofisticadas), com água quente e fria e até com filtro. Isso tudo deixo à
imaginação do leitor no teor comparativo com nossa própria vida.
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