O tempo!
Preciosidade
esquecida em A Gênese – Orson Peter Carrara
Convenhamos com honestidade. Ficamos nos batendo em
tantas questões absolutamente dispensáveis e medíocres e esquecemos o
essencial. O conhecimento espírita, sempre disponível e com ampla facilidade de
consulta – ressaltando-se a qualidade expressiva de muitos conteúdos –
remete-nos naturalmente a uma intensa alegria e gratidão à vida por tantas
oportunidades de aprendizado.
Um texto esquecido, como tantos outros, está em A Gênese,
no capítulo VI – Uranografia Geral, exatamente no item 2, abordando a
velha questão do tempo. Transcrevo na íntegra (o texto não é longo),
estimulando o leitor à leitura, dada a grandeza do texto e a reflexão de
entusiasmo a que remete. Sugiro leitura atenta. O texto é muito precioso.
“2. Como a palavra espaço, tempo é também um termo já por
si mesmo definido. Dele se faz ideia mais exata, relacionando-o com o todo
infinito. O tempo é a sucessão das coisas. Está ligado à eternidade, do mesmo
modo que as coisas estão ligadas ao infinito. Suponhamo-nos na origem do nosso
mundo, na época primitiva em que a Terra ainda não se movia sob a divina
impulsão; numa palavra: no começo da gênese. O tempo então ainda não saíra do
misterioso berço da natureza e ninguém pode dizer em que época de séculos nos
achamos, porquanto o balancim dos séculos ainda não foi posto em movimento.
Mas, silêncio! soa na sineta eterna a primeira
hora de uma Terra insulada, o planeta se move no espaço e desde então há tarde e manhã. Para lá da Terra, a
eternidade permanece impassível e imóvel, embora o tempo marche com relação a
muitos outros mundos. Para a Terra, o tempo a substitui e durante uma
determinada série de gerações contar-se-ão os anos e os séculos.
Transportemo-nos agora ao último dia desse mundo, à hora em que, curvado sob o
peso da vetustez, ele se apagará do livro da vida para aí não mais reaparecer.
Interrompe-se então a sucessão dos eventos; cessam os movimentos terrestres que
mediam o tempo e o tempo acaba com eles. Esta simples exposição das coisas que
dão nascimento ao tempo, que o alimentam e deixam que ele se extinga, basta
para mostrar que, visto do ponto em que houvemos de colocar-nos para os nossos
estudos, o tempo é uma gota d’água que cai da nuvem no mar e cuja queda é
medida.
Tantos mundos na vasta amplidão, quantos tempos
diversos e incompatíveis. Fora dos mundos, somente a eternidade substitui essas
efêmeras sucessões e enche tranquilamente da sua luz imóvel a imensidade dos
céus. Imensidade sem limites e eternidade sem limites, tais as duas grandes
propriedades da natureza universal.
O olhar do observador, que atravessa, sem jamais
encontrar o que o detenha, as incomensuráveis distâncias do espaço, e o do
geólogo, que remonta além dos limites das idades, ou que desce às profundezas
da eternidade de faces escancaradas, onde ambos um dia se perderão, atuam em
concordância, cada um na sua direção, para adquirir esta dupla noção do
infinito: extensão e duração. Dentro desta ordem de ideias, fácil nos será
conceber que, sendo o tempo apenas a relação das coisas transitórias e
dependendo unicamente das coisas que se medem, se tomássemos os séculos
terrestres por unidade e os empilhássemos aos milheiros, para formar um número
colossal, esse número nunca representaria mais que um ponto na eternidade, do
mesmo modo que milhares de léguas adicionadas a milhares de léguas não dão mais
que um ponto na extensão. Assim, por exemplo, estando os séculos fora da vida
etérea da alma, poderíamos escrever um número tão longo quanto o equador
terrestre e supor-nos envelhecidos desse número de séculos, sem que na
realidade nossa alma conte um dia a mais. E juntando, a esse número indefinível
de séculos, uma série de números semelhantes, longa como daqui ao Sol, ou ainda
mais consideráveis, se imaginássemos viver durante uma sucessão prodigiosa de
períodos seculares representados pela adição de tais números, quando
chegássemos ao termo, o inconcebível amontoado de séculos que nos passaria
sobre a cabeça seria como se não existisse: diante de nós estaria sempre toda a
eternidade.
O tempo é apenas uma medida relativa da sucessão
das coisas transitórias; a eternidade não é suscetível de medida alguma, do
ponto de vista da duração; para ela, não há começo, nem fim: tudo lhe é
presente. Se séculos de séculos são menos que um segundo, relativamente à
eternidade, que vem a ser a duração da vida humana?!”
Que reflexão belíssima! Dá mesmo para continuar batendo a
cabeça com preocupações ou pretensões vãs? Não é melhor concentrar os
interesses no que realmente importa?
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