Bagagem de risco
Vi o filme com esse título que uso na presente abordagem.
Lançado em dezembro de 2024, é produção americana, bem no estilo próprio deles,
com muita ação e um certo grau de violência, sem exageros nesse quesito. Mas
muito prende a atenção. Deixo de informar outros dados como diretor, elenco e
mesmo sinopse para ganharmos tempo na finalidade dessa análise. Tais
informações o leitor encontrará fácil em rápida pesquisa.
A história em questão, que se passa basicamente em um
aeroporto numa véspera de Natal, coloca um dos funcionários da fiscalização de
bagagens numa situação inusitada. E aí entramos com um parecer à luz do
Espiritismo.
Existem situações que nos colocam, usando expressões
vulgares e populares: “numa saia justa” e “contra a parede”. Ficamos naquela
situação bem constrangedora: “falo ou não falo”, ou “denuncio ou não?” e mesmo
“guardo comigo ou compartilho o que vi e sei o que ninguém viu ou ficou
sabendo?”. São situações comuns do
cotidiano diante de escândalos variados, na vida social ou familiar,
manipulações ocultas e lesivas a variados interesses e mesmo leviandades e
mentiras que tivemos oportunidade de saber ou descobrir. O que fazer com essas
questões?
Desmascaremos a hipocrisia, a mentira? E mesmo situações
criminosas, como é o caso do enredo, no filme. Ou deixamos passar? É engraçado
que muitas vezes até provas temos, contra pessoas consideradas inatingíveis.
São os bastidores diversos que ninguém conhece, mas um de nós ou um grupo teve
oportunidade de saber ou descobrir.
Não é realmente muito constrangedor? Especialmente
levando-se em conta tratar-se, em inúmeros casos, de pessoas de nosso
relacionamento ou muito conhecidas, consideradas no meio em que atuam. Até
mesmo no meio familiar isso acontece, onde a maledicência e a falsidade também
costumam frequentar. Se ampliarmos para os demais segmentos, não é surpresa
para ninguém o que já ocorre, agravado com as chamadas fake news.
Nada de assustador até aqui, levando-se em conta nosso ainda
precário estado moral do planeta. E nele estamos porque sintonizamos com seu
estágio atual.
Todavia, após tais considerações, importante adentrarmos
para a razão da presente abordagem. Primeiro: a expressão que a intitula está
identificada no parágrafo seguinte e inclui a pergunta que acentuamos acima,
com alguns exemplos. Acompanhe a seguir.
A frase é do Espírito São Luiz, data de 1860, e está no
capítulo 10 – Bem Aventurados aqueles que são misericordiosos – de O
Evangelho Segundo o Espiritismo, item 21. Referido item é uma pergunta: Há
casos em que seja útil revelar o mal de outrem? E na resposta dada pelo
espírito autor, está a frase usada como título. Numa resposta breve, de poucas
linhas, a sabedoria que alinha a prudência com a firmeza moral.
A resposta na íntegra indico ao leitor buscar na obra
citada, mas separo aqui, com objetivo didático, trechos parciais do texto, a
fim de embasar a conclusão do assunto:
1 – Essa questão é muito delicada, e é aqui que é
preciso apelar para a caridade bem compreendida. – Note que, apesar da
dificuldade com tais questões, a sugestão de apelo à caridade é muito
expressiva. Denúncias ou desmascaramentos, informações reveladoras contra a
hipocrisia e a mentira, não dispensam a caridade em toda sua amplitude. É
preciso muito cuidado e prudência para que o desejo de humilhar alguém,
rancores guardados ou outras pretensões agressivas e egoísta, não se
sobreponham sobre o interesse coletivo e real objetivo de uma denúncia. Note-se
a amplidão nesse início de resposta à questão. É preciso refletir muito.
2 – É preciso preferir o interesse da maioria ao
interesse de um só. – Será que as situações em que julgamos ser
necessário agir estamos pensando no interesse coletivo ou estamos pensando na
auto projeção pessoal? A frase exige também muita reflexão, inclusive colocando
dentro do contexto completo da resposta, que novamente recomendo ao leitor ler
atentamente.
3 – Segundo as circunstâncias, desmascarar a
hipocrisia e a mentira pode ser um dever, porque vale mais que um homem caia,
do que vários se tornarem enganados ou suas vítimas. – Perceba-se a
clareza de duas condicionantes: “segundo as circunstâncias” e “pode ser um
dever”. No segundo caso, a afirmativa está condicionada ao “pode”, que requer
minuciosa análise, o que também acontece com o início da afirmação:
“segundo...”.
4 – Em semelhante caso, é preciso pesar a soma das
vantagens e dos inconvenientes. – Aqui está o segredo da análise bem
ponderada e sugerida. Bem desafiador avaliar a dimensão de uma denúncia ou de
um enfrentamento à hipocrisia e à mentira. Até que ponto isso será útil? Até
que ponto temos referido direito, segundo as circunstâncias? Quais os
desdobramentos de uma ação que desmascare uma situação ou uma pessoa e mesmo um
grupo? É nesse entrechoque de opiniões e análises que amadurecemos nos difíceis
processos do relacionamento humano.
Notem os amigos que a afirmação que dá título na abordagem
do livro e que está no capítulo e item citados, acrescenta que “pode ser um
dever”, não afirmando que é, mas que pode ser. Como identificar a
linha tênue desse limite? Linha que apresenta igualmente o apelo à caridade,
mas que informa igualmente que “(...) porque vale mais que um homem caia,
do que vários se tornarem enganados ou suas vítimas (...)”.
É preciso muito bom senso mesmo, um alto grau de
discernimento, para não nos deixarmos levar por paixões – muitas vezes levianas
e agressivas nessas ações –, para que sejamos justos sim, sem nunca esquecer a
misericórdia.
O amor é Lei de Deus em tudo. A lei divina é justa, mas
igualmente misericordiosa. Não nos esqueçamos disso.
Quem de nós já não se viu em situações assim... É o bom
senso que ainda precisamos desenvolver através justamente dessas experiências
desafiadoras que nos habilitam à melhor capacidade de lidar com elas.
Mas, voltemos ao filme. No final, que deixarei ao leitor ver
e sentir o que vamos dizer, o protagonista principal fez valer o raciocínio
aqui apresentado. Apesar das naturais fraquezas humanas, com seus índices
variados de insegurança, o personagem fez cair um único homem para que outras
quase três centenas não fosse vítimas de uma ação criminosa.
No caso, não foi homicídio, agiu em defesa própria e de
outras centenas de pessoas. Teve a iniciativa, o bom senso de agir no momento
certo, com firmeza, embora ameaçado. Ver o filme levou-me a esses raciocínios.
E, melhor, embora sem saber apelou à caridade em diversas
situações. Respeitou inclusive a crueldade, submetendo-se a ela em inúmeras
situações. Para quem está assistindo, a sensação é classificar o personagem de
covarde, submisso, omisso, mas.... o final é surpreendente.
Apesar do medo enfrentado, da incompreensão alheia e da
desorientação em si mesmo, as situações o enquadram nos itens acima elencados.
Não deixe de ver. É um filme de suspense, muita ação, não
tem nada de espiritualidade, mas propiciou-me racionar nesta direção. Gostei
muito e quero indicar a você, leitor ou leitora.
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