Bagagem de risco

 


Bagagem de risco – Orson Peter Carrara

 

Vi o filme com esse título que uso na presente abordagem. Lançado em dezembro de 2024, é produção americana, bem no estilo próprio deles, com muita ação e um certo grau de violência, sem exageros nesse quesito. Mas muito prende a atenção. Deixo de informar outros dados como diretor, elenco e mesmo sinopse para ganharmos tempo na finalidade dessa análise. Tais informações o leitor encontrará fácil em rápida pesquisa.

A história em questão, que se passa basicamente em um aeroporto numa véspera de Natal, coloca um dos funcionários da fiscalização de bagagens numa situação inusitada. E aí entramos com um parecer à luz do Espiritismo.

Existem situações que nos colocam, usando expressões vulgares e populares: “numa saia justa” e “contra a parede”. Ficamos naquela situação bem constrangedora: “falo ou não falo”, ou “denuncio ou não?” e mesmo “guardo comigo ou compartilho o que vi e sei o que ninguém viu ou ficou sabendo?”.  São situações comuns do cotidiano diante de escândalos variados, na vida social ou familiar, manipulações ocultas e lesivas a variados interesses e mesmo leviandades e mentiras que tivemos oportunidade de saber ou descobrir. O que fazer com essas questões?

Desmascaremos a hipocrisia, a mentira? E mesmo situações criminosas, como é o caso do enredo, no filme. Ou deixamos passar? É engraçado que muitas vezes até provas temos, contra pessoas consideradas inatingíveis. São os bastidores diversos que ninguém conhece, mas um de nós ou um grupo teve oportunidade de saber ou descobrir.

Não é realmente muito constrangedor? Especialmente levando-se em conta tratar-se, em inúmeros casos, de pessoas de nosso relacionamento ou muito conhecidas, consideradas no meio em que atuam. Até mesmo no meio familiar isso acontece, onde a maledicência e a falsidade também costumam frequentar. Se ampliarmos para os demais segmentos, não é surpresa para ninguém o que já ocorre, agravado com as chamadas fake news. 

Nada de assustador até aqui, levando-se em conta nosso ainda precário estado moral do planeta. E nele estamos porque sintonizamos com seu estágio atual.

Todavia, após tais considerações, importante adentrarmos para a razão da presente abordagem. Primeiro: a expressão que a intitula está identificada no parágrafo seguinte e inclui a pergunta que acentuamos acima, com alguns exemplos. Acompanhe a seguir.

A frase é do Espírito São Luiz, data de 1860, e está no capítulo 10 – Bem Aventurados aqueles que são misericordiosos – de O Evangelho Segundo o Espiritismo, item 21. Referido item é uma pergunta: Há casos em que seja útil revelar o mal de outrem? E na resposta dada pelo espírito autor, está a frase usada como título. Numa resposta breve, de poucas linhas, a sabedoria que alinha a prudência com a firmeza moral.

A resposta na íntegra indico ao leitor buscar na obra citada, mas separo aqui, com objetivo didático, trechos parciais do texto, a fim de embasar a conclusão do assunto:

1 – Essa questão é muito delicada, e é aqui que é preciso apelar para a caridade bem compreendida. – Note que, apesar da dificuldade com tais questões, a sugestão de apelo à caridade é muito expressiva. Denúncias ou desmascaramentos, informações reveladoras contra a hipocrisia e a mentira, não dispensam a caridade em toda sua amplitude. É preciso muito cuidado e prudência para que o desejo de humilhar alguém, rancores guardados ou outras pretensões agressivas e egoísta, não se sobreponham sobre o interesse coletivo e real objetivo de uma denúncia. Note-se a amplidão nesse início de resposta à questão. É preciso refletir muito.

2 – É preciso preferir o interesse da maioria ao interesse de um só. – Será que as situações em que julgamos ser necessário agir estamos pensando no interesse coletivo ou estamos pensando na auto projeção pessoal? A frase exige também muita reflexão, inclusive colocando dentro do contexto completo da resposta, que novamente recomendo ao leitor ler atentamente.

3 – Segundo as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode ser um dever, porque vale mais que um homem caia, do que vários se tornarem enganados ou suas vítimas. – Perceba-se a clareza de duas condicionantes: “segundo as circunstâncias” e “pode ser um dever”. No segundo caso, a afirmativa está condicionada ao “pode”, que requer minuciosa análise, o que também acontece com o início da afirmação: “segundo...”.

4 – Em semelhante caso, é preciso pesar a soma das vantagens e dos inconvenientes. – Aqui está o segredo da análise bem ponderada e sugerida. Bem desafiador avaliar a dimensão de uma denúncia ou de um enfrentamento à hipocrisia e à mentira. Até que ponto isso será útil? Até que ponto temos referido direito, segundo as circunstâncias? Quais os desdobramentos de uma ação que desmascare uma situação ou uma pessoa e mesmo um grupo? É nesse entrechoque de opiniões e análises que amadurecemos nos difíceis processos do relacionamento humano.

Notem os amigos que a afirmação que dá título na abordagem do livro e que está no capítulo e item citados, acrescenta que “pode ser um dever”, não afirmando que é, mas que pode ser. Como identificar a linha tênue desse limite? Linha que apresenta igualmente o apelo à caridade, mas que informa igualmente que “(...) porque vale mais que um homem caia, do que vários se tornarem enganados ou suas vítimas (...)”.

É preciso muito bom senso mesmo, um alto grau de discernimento, para não nos deixarmos levar por paixões – muitas vezes levianas e agressivas nessas ações –, para que sejamos justos sim, sem nunca esquecer a misericórdia.

O amor é Lei de Deus em tudo. A lei divina é justa, mas igualmente misericordiosa. Não nos esqueçamos disso.

Quem de nós já não se viu em situações assim... É o bom senso que ainda precisamos desenvolver através justamente dessas experiências desafiadoras que nos habilitam à melhor capacidade de lidar com elas. 

Mas, voltemos ao filme. No final, que deixarei ao leitor ver e sentir o que vamos dizer, o protagonista principal fez valer o raciocínio aqui apresentado. Apesar das naturais fraquezas humanas, com seus índices variados de insegurança, o personagem fez cair um único homem para que outras quase três centenas não fosse vítimas de uma ação criminosa.

No caso, não foi homicídio, agiu em defesa própria e de outras centenas de pessoas. Teve a iniciativa, o bom senso de agir no momento certo, com firmeza, embora ameaçado. Ver o filme levou-me a esses raciocínios.

E, melhor, embora sem saber apelou à caridade em diversas situações. Respeitou inclusive a crueldade, submetendo-se a ela em inúmeras situações. Para quem está assistindo, a sensação é classificar o personagem de covarde, submisso, omisso, mas.... o final é surpreendente.

Apesar do medo enfrentado, da incompreensão alheia e da desorientação em si mesmo, as situações o enquadram nos itens acima elencados.

Não deixe de ver. É um filme de suspense, muita ação, não tem nada de espiritualidade, mas propiciou-me racionar nesta direção. Gostei muito e quero indicar a você, leitor ou leitora.

 

 

 

 


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