Norma culta
por Orson Peter Carrara
A língua é enorme iceberg
flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever
apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma culta.
O primeiro parágrafo que usamos
para iniciar nossa matéria da semana está na introdução Primeiras
Palavras do livro Preconceito Lingüístico – o que é, como se faz, de
Marcos Bagno, das Edições Loyola. O livro, de apenas 192 páginas, está dividido
em 4 capítulos, sendo que no primeiro deles o autor coloca oito grandes mitos
da confusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática
normativa.
Na mesma introdução o autor declara que a tarefa do livro é desfazer a
confusão, afirmando: “Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido
não é o vestido, uma mapa-mundi não é o mundo... Também a gramática não é a
língua.”
A abordagem é muito interessante no confronto que apresenta sobre os linguistas,
gramáticos e dicionaristas, cada um deles defendendo suas
próprias idéias. Uns na defesa da norma culta, nos fundamentos e princípios da
Língua Portuguesa, outros defendendo a diversidade cultural do povo, onde
expressões, hábitos e mesmo o analfabetismo influem decisivamente, com prós e
contras, no uso da própria língua, impondo modificações, adaptações e mesmo
inclusões no uso da língua.
Um único exemplo é notável para nosso entendimento (está na página 52): Imagine
uma tabuleta com a palavra colégio. Um pernambucano, lendo em voz alta,
dirá còlégio; um carioca provavelmente dirá culégio; um
paulistano, por sua vez, côlégio. Vejam, é a mesma palavra,
pronunciada de formas diferentes.
Quem está certo? Quem está errado? Nem uma coisa nem outra. Cada um apenas
segue sua cultura local, seus hábitos, seu sotaque. Apesar da norma...
Achei sensacional a questão levantada pelo autor. A diversidade cultural e a
extensão territorial do país fizeram isso. Ninguém está errado, apenas vivendo
sua própria cultura. Claro que a norma culta, dos fundamentos e princípios da
língua em si é patrimônio inquestionável. Mas não há como fugir da diversidade
cultural.
Isso me levou a um raciocínio que podemos aplicar no relacionamento uns com os
outros. Nas diferenças de opiniões, visões, decisões, iniciativas, etc, quem
está certo? Quem está errado? Ninguém está certo ou errado. Estamos todos em
aprendizado.
O que está certo para mim pode estar errado para você e vice-versa.
Por isso o preconceito, seja qual seja, é um absurdo sem precedentes. Julgamos
sem pensar, sem analisar, sem raciocinar. Julgamos pelas aparências, pelas
vestes, pelas palavras, sem sondar o mais importante: os sentimentos.
De que vale a apresentação impecável (seja cultural, de aparência, de títulos,
de patrimônio, de nome, de crença, de profissão, de cor, de raça, etc), se os
sentimentos estão manchados pelo egoísmo, pela vaidade, pela prepotência, pela
hipocrisia, pela mentira, pela indiferença, pelo desprezo, pela
discriminação...?
A norma culta, de qualquer lei, regimento, cultura, crença, tradição ou
decreto, pode ser impecável, todavia, se não houver adesão do sentimento à sua
prática e vivência, estaremos pisando na areia movediça... Os princípios de
justiça, bondade, democracia e respeito aos direitos individuais estão sempre
citados, mas temos conseguido vivê-los? Ora, somos todos diferentes uns dos
outros. Respeitemos esses estágios... Inclusive na língua, é óbvio. Tudo tem
seu valor, sua utilidade. Aprendamos a conviver com as diferenças uns dos
outros
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