Lúcida pergunta de uma garotinha
por Orson Peter Carrara
A
garotinha, de apenas cinco anos, perguntou ao pai no velório da avó: – Pai,
o que morreu, a cabeça ou o corpo da vovó? O pai, encabulado pela pergunta
e igualmente surpreendido pela indagação, respondeu que tudo morreu, que morre
tudo junto.
A
garotinha insistiu: – Não, pai, você não entendeu. Eu estou perguntando dos pensamentos que
estavam dentro da cabeça da vovó. Eles morreram também?
O pai ficou perplexo. E nós,
que ouvimos essa história e que agora repassamos ao leitor, podemos constatar a
lucidez e a inteligência da pergunta. Nossas crianças realmente estão bem mais
amadurecidas.
O
teor da pergunta, inclusive, demonstra uma grande verdade, sempre esquecida:
morre o corpo, mas o ser permanece íntegro. Não somos o corpo, somos um ser
imortal que conserva após sua destruição física e biológica, sua personalidade,
suas tendências, seus gostos, conquistas, seus laços de afeto e desafeto,
permanecendo com a necessidade de continuar aprendendo e se aprimorando,
intelecto-moralmente e, claro, também emocionalmente e psicologicamente.
A
vida é um ciclo constante de aprendizados, que continua além da morte física.
Nossos seres amados que se foram prosseguem vivendo normalmente, pensando,
sentindo, amando ou odiando – o que sugere que muito ainda precisa aprender, se
ainda guardando ódio ou vingança no coração e, claro, cabem também os
sentimentos de mágoas, ciúmes, inveja, desânimos ou entusiasmos e determinação,
entre outros –, quer dizer, continuam a ser o que eram e prosseguem a própria
caminhada de aprendizados e relacionamentos.
Estamos
falando dos seres amados que já se foram, deixando saudades e que também sentem
saudades, mas o mesmo raciocínio cabe a cada um de nós. Afinal, fisicamente ou biologicamente
todos seremos brevemente cadáveres. Mas não somos o cadáver, somos o ser
imortal que sobrevive à morte, seja por velhice, enfermidade, acidentes, etc.
Esta
é a lógica da vida. Ela não se extingue. Os pensamentos e sentimentos e,
portanto, as conquistas do intelecto e do sentimento continuam. Como também não
se extingue a necessidade de continuar aprendendo. Há uma imensa justiça e
bondade nessa realidade palpável, que tanto preconceito enfrentou ao longo do
tempo e que agora começa ser percebida com clareza. Se somos seres imortais, a
vida continua. Se continua, iremos para algum lugar. Um lugar deverá ser
compatível com o que somos, sem perda do que somos, por bondade do Criador.
Sendo uma continuidade natural, iremos para o lugar que vamos construindo
gradativamente a cada dia. Céu e inferno são apenas estados conscienciais, por
isso a necessidade de agirmos de forma a não guardarmos arrependimento ou
remorso. Estes sim são o autêntico inferno.
Mas
como Deus é bom e sábio, justo e misericordioso, as portas nunca se fecham e
podemos recomeçar, reconstruir o que não fizemos bem ou deixamos de fazer.
Justamente para merecer as alegrias que aguardam aqueles que cumprem o seu
dever.
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