Nem sempre é publicável
por Orson Peter Carrara
A
pressa em publicar tudo o que vem dos espíritos ou mesmo sua publicação sem
bases doutrinárias sérias e construídas sobre o bom senso que a Doutrina
Espírita recomenda, constitui precipitação indesejável. O critério de análise
que deve ser rigorosamente aprovado pelos fundamentos doutrinários exarados na
Codificação Espírita torna-se indispensável em todos os casos, para evitar-se
fraudes e prejuízos à correta divulgação das idéias espíritas.
Na Revista
Espírita de fevereiro de 1865 (edição EDICEL, tradução de Júlio Abreu Filho),
Allan Kardec teceu valiosos comentários sobre a questão, reunindo diversas
respostas recebidas na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Com o título Obras-Primas por via mediúnica,
ponderou o Codificador, após bem elaborada argumentação sobre aquilo que vem
dos espíritos:
"(...)
O erro não está no Espiritismo, mas nos que aceitam mui facilmente o que vem
dos Espíritos. Se os que transformam isto em arma contra a doutrina a tivessem
estudado, saberiam o que ela admite e não lhe imputariam o que recusa, nem os
exageros de uma credulidade cega e irrefletida. O erro é ainda maior quando se
publicam, sob nomes conhecidos, coisas indignas da origem que lhes é atribuída.
É oferecer o flanco à crítica fundada e prejudicar o Espiritismo. É necessário
que se saiba que o Espiritismo racional absolutamente não patrocina essas
produções, e não assume a responsabilidade pelas publicações feitas com mais
entusiasmo que prudência. (...)"
Sábias
e prudentes palavras essas. Advertência criteriosa que necessitamos perseguir
com persistência. Afinal, é o bom nome do Espiritismo que está em jogo quando
nos permitimos divulgar obras ou comunicações duvidosas que ferem os mais elementares
princípios da lógica e do bom senso.
A
orientação é cabível para divulgadores em geral, da escrita e da palavra, para
editoras e distribuidores da mensagem espírita. Não importa se concentrados
numa experiência local, regional, nacional ou mesmo internacional. A
responsabilidade é de todos os que levam adiante mensagens e obras não
aprovadas pelo critério do bom senso, da lógica e do bem comum. Critérios esses
que estão ligados entre si e jamais podem separar-se. É preciso que aquilo que
venha dos espíritos seja lógico e bom e ainda dentro do bom senso.
Tais
reflexões nos encaminham ao monumental O
Livro dos Médiuns que, em sua Introdução informa: “A experiência nos
confirma todos os dias, nesta opinião, que as dificuldades e as decepções, que se
encontram na prática do Espiritismo, têm sua fonte na ignorância dos princípios
desta ciência (...)”. No mesmo sentido,
também na Introdução mas em outra obra, O
Evangelho Segundo o Espiritismo, encontramos o excepcional texto constante
do subtítulo Controle Universal do
Ensinamento dos Espíritos, onde o critério de seleção do que vem dos
espíritos está perfeitamente estabelecido, exatamente para prevenir tais
decepções e dificuldades no trato com o que vem dos espíritos pela psicografia
ou pela psicofonia.
Por
isso mesmo nunca deveremos dispensar a introdução ou conclusão das obras. Elas
contém orientações sempre precisas, como ocorre, por exemplo, com O Livro dos Espíritos, que apresenta as
bases doutrinárias do Espiritismo. Tais leituras, refletidas individualmente ou
debatidas em grupo, formam a consciência doutrinária que sabe avaliar o que é
publicável ou que é dispensável ou meramente trata-se de um texto ou informação
localizada, muitas vezes específica ao grupo, por exemplo.
Isso
leva igualmente ao capítulo III de O
Livro dos Médiuns, já citado. Intitulado Método, o capítulo é orientação de
como estudar ou estimular outras pessoas no mesmo caminho, exatamente para
evitar o que o próprio Kardec denominou de Espíritas
exaltados, onde ele pondera com firmeza: “(...) o exagero é nocivo em tudo;
em Espiritismo, dá uma confiança muito cega, e, frequentemente, pueril nas
coisas do mundo invisível, e leva a aceitar, muito facilmente e sem controle, o
que a reflexão e o exame demonstrariam a absurdidade ou a impossibilidade; mas
o entusiasmo não reflete, deslumbra. Esta espécie de adepto é mais nociva do
que útil à causa do Espiritismo (...)”.
Melhor,
pois, refletir, antes de publicar.
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