Novidadeiros = sempre inoportunos
Dois pontos para nos envolverem – Orson Peter Carrara
O texto que
se vai ler abaixo é de 2012, mas é incrível sua atualidade. A autoria é do
amigo e escritor Cláudio Bueno da Silva. Dada a preciosidade atualíssima da
abordagem, transcrevemos o artigo na íntegra (originariamente publicada pela
revista eletrônica o consolador). Uma autêntica advertência a nos requerer vigilância.
O título original, abaixo reproduzido também, é exato para o que continuamos
ainda a ver. Os grifos em negrito no texto são de meu destaque. Quanto ao título
que aqui coloco o leitor entenderá no decorrer do texto. Veja abaixo.
Novidadeiros
O professor
Herculano Pires (1914-1979), consagrado filósofo e escritor espírita, usou a
palavra “novidadeiros” para designar aqueles que aparecem com “novas” ideias ou
teorias no meio espírita, atraindo simpatizantes, mas também desencadeando
polêmicas e dissensões.
Alguns de
seus livros, como “Na Hora do Testemunho”, “O Verbo e a Carne”, “A Pedra e o
Joio”, foram escritos exatamente para corrigir o que ele entendia como
equívocos doutrinários graves, trazidos ao meio espírita por pessoas e
instituições que lançavam confusão entre os espíritas, na medida em que
suscitavam discussões acaloradas, volta e meia, reacendidas. E o fazia com a
autoridade de conhecedor da doutrina, conforme reconhecimento do Espírito
Emmanuel, através da psicografia de Chico Xavier, quando se referiu ao escritor
como o “metro que melhor mediu Kardec”.
As sempre
imediatas intervenções do professor Herculano se constituíram num libelo contra
as investidas das sombras que, envolvendo os espíritas invigilantes, os incitam
a criar correntes de pensamento ou mesmo ditam-nas mediunicamente, na tentativa
de associá-las ao corpo doutrinário do Espiritismo ou mesmo para simplesmente
lançar a confusão.
Sempre houve
quem sofresse a tentação de acrescentar novidades de cunho pessoal ou de grupos
no procedimento espírita. E quem também acatasse sem exame, opiniões esdrúxulas
só porque ditadas pelos Espíritos. No excelente texto “Os conflitos”, publicado
na Revista Espírita de dezembro de 1863, o Espírito Erasto deixou um alerta
sobre o problema quando disse: “E que querem certos Espíritos da
erraticidade fomentando entre as mediocridades da encarnação essa exaltação do
amor-próprio e do orgulho, senão entravar o progresso?” Outro magnífico
texto de Erasto, que respalda o assunto que tratamos aqui, está no capítulo
XXI, de “O Evangelho segundo o Espiritismo”: Os falsos profetas da
erraticidade, de leitura necessária para todos os espíritas.
Alguns
espíritas preferem deixar os caminhos da simplicidade para entrar nos atalhos
da complicação. Foi assim que vimos, em vários períodos do nosso movimento,
abusos na interpretação e aplicação da água fluidificada, que em muitos centros
espíritas virou panaceia para todos os males; do passe magnético que, da
simples imposição das mãos, passou a “requerer um catálogo” para sua aplicação,
em vista de excessiva teorização, descaracterizando “toda a beleza espiritual
do passe espírita”, conforme expressão de Herculano Pires; assim também com a
introdução de certos métodos polêmicos para tornar a desobsessão mais
eficiente; a moda do “Espiritismo sem Espíritos”, uma forma radical de
priorizar a opinião dos encarnados em detrimento das práticas mediúnicas; a
insistente vontade de alguns em retocar, reformar, atualizar os textos de Allan
Kardec, e tantas outras “novidades”.
Quando se
fala em mistificação, em desvios de rota do movimento espírita, impossível não
citar os célebres e traumáticos “ismos”, que causaram tantas controvérsias: o
Ubaldismo, de Pietro Ubaldi; o Ramatisismo, de Ramatis; o Roustainguismo, de J.
B. Roustaing; o Armondismo, de Edgar Armond; o Divinismo, de Oswaldo Polidoro,
e outros “ismos”. Todos eles com uma curiosa característica: em meio a
verdades, muitos equívocos destoantes da Revelação Espírita, codificada por
Allan Kardec. Embora algumas dessas proposições não tenham surgido propriamente
dentro do movimento espírita, nele se infiltraram, deixando resquícios que
perduram ainda em muitos centros e federações pelo país.
Mas as
investidas das sombras não param. Há algum tempo, muitas casas espíritas foram
“invadidas” pela teoria das crianças índigo, versão importada sobre a
reencarnação de muitos “anjinhos” inteligentes, cheios de independência e
malícia, mas cheios também de rebeldia e agressividade que, segundo a fantasia
dos seus “criadores” norte-americanos, têm a missão de renovar (?) a Terra.
Muitos espíritas ficaram encantados com a novidade e durante bom tempo não se
falou de outra coisa dentro da casa espírita.
Outra mania
que se espalha insensatamente na atualidade: a de colher, não se sabe de onde,
a “genealogia reencarnatória” de personagens espíritas. Quanto a isso, além das
informações aceitas consensualmente, como por exemplo, as que Emmanuel revelou
nos seus romances, sobre suas vidas passadas, e algumas outras notícias que o
movimento espírita entendeu como autênticas, nada justifica as especulações que
circulam no movimento, principalmente porque baseadas em informações de difícil
comprovação, e também porque vindas de origens nem sempre livres de suspeição.
Ou seja, as
novidades, os modismos no meio espírita não cessam. Apesar do “orai e vigiai”
evangélicos, e das orientações doutrinárias deixadas por Allan Kardec à
disposição de todos, as pessoas se descuidam e, por isso mesmo, criam tolices
ou repassam informações colhidas sem critérios de segurança. Herculano Pires tem total razão quando resume
essa questão no livro “Mediunidade (Vida e Comunicação)”, avisando: “Os
Espíritos mistificadores contam apenas com dois pontos de apoio para nos
envolverem: a vaidade e a invigilância”.
Em verdade,
perde-se muito tempo e energia com tudo isto, e o movimento espírita — agente
que é do Espiritismo — se atrasa no cumprimento das verdadeiras funções que lhe
compete realizar: espalhar, no meio social, o conhecimento espírita com seu
conteúdo correto, fazendo diminuir a incredulidade, vencendo o materialismo,
esclarecendo e consolando, ajudando a preparar o homem de bem para o futuro
melhor.
“Mas
infelizes os que, por suas dissensões, houverem retardado a hora da colheita”,
afirma o codificador em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, capítulo XX, Trabalhadores
do Senhor.
Resta-nos o
consolo, porém, de saber que as turbulências vêm e passam. É certo que deixam
marcas no coração dos homens, mas também lhes ensinam a separar o joio do
trigo.
Crônicas e
Artigos - Ano 6 - N° 285 - 4 de novembro de 2012
Autor: CLÁUDIO BUENO DA SILVA – Revista O Consolador
Revista
Semanal de Divulgação Espírita
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