Pretensão descabida
– Orson Peter Carrara
Nada como o tempo para colocar à
mostra nossa fragilidade humana, a visão limitada das ocorrências e a
imaturidade que nos caracteriza o comportamento, iludindo-nos em pretensões,
que depois mais tarde com a experiência dos anos, percebemos o quanto
necessitamos de amadurecimento no trato com as variadas questões da vida
humana.
Isso vale para tudo. Nem é
preciso dizer. Na experiência familiar, na vida profissional ou nos demais
segmentos de atividades a que nos dedicamos nos relacionamentos humanos, o
tempo é sempre o maior aliado, trazendo realidades que nem sempre enxergamos no
ardor das paixões e dos apegos que ainda nos permitimos, iludidos de vaidades.
Aquele personagem nasceu em
família espírita e, desde pequenino, esteve com os pais, envolvido com as
contínuas e crescentes atividades da instituição a que a família se vinculava.
Vivenciado as várias fases do próprio desenvolvimento pessoal, na idade adulta
chegou à Presidência da mesma instituição e viveu período muito produtivo e
intenso de atividades, exercendo a função por vários mandatos, adquirindo sim
vasta experiência e, de certa forma, envolvendo a região em eventos
doutrinários memoráveis, com vasto intercâmbio com renomados palestrantes e
tarefeiros espíritas da região e do país, tornando a pequena cidade e a própria
instituição em foco irradiador de motivação para o estudo e a vivência
doutrinária. Realidade que construiu graças a operosa equipe envolvida no mesmo
objetivo.
Porém, nessa época de entusiasmo
e alegria pelos frutos colhidos em abundância, um expressivo equívoco foi
cometido. Uma afirmação descabida, pronunciada talvez por exagerado entusiasmo
e até certa ingenuidade, traria lição de profundo aprendizado. Afirmou nosso
personagem que seu desejo era “fazer da instituição um modelo para outras”.
A partir dessa pronúncia
iniciaram-se as tempestades, que atingiram a instituição e seus trabalhadores
de forma intensa, repetindo-se em situações que abalaram os relacionamentos,
criando verdadeiro caos, que trouxe anos de aflições e tensões de vulto, que,
de uma forma ou de outra, atingiram a toda a equipe, desestruturando quase que
por completo os trabalhos em andamento.
Atualmente, olhando-se pelo
retrovisor, percebe-se a pretensão descabida da afirmação infeliz. Claro que
não foi a frase em si, mas o sentimento que a norteou. Talvez uma vaidade,
talvez um orgulho, que acionou o gatilho próprio desencadeador das crises
comuns que surgem para nos amadurecer.
Pretensão descabida sim. Nenhum
de nós (ou a instituição que dirigimos) é modelo para ninguém, considerando
nossa condição de aprendizes ainda iniciantes. Somos ainda frágeis, imaturos,
para nos autopromovermos à condição de condutores capazes, eficazes,
infalíveis, como se nossa suposta capacidade nos autorizasse a tais posturas,
cuja autoridade moral ainda não foi adquirida. Em todos os lugares está a
fragilidade humana que se reflete de várias formas nos variados segmentos. Daí
as crises sociais abundantes.
Vendo a lição e o rumo real dos
fatos, o aprendizado foi enorme, expressivo, assimilado, que funciona hoje como
autêntica vacina contra pretensões que possam se insinuar. A lição foi dura,
mas previne hoje dos perigos e ciladas da ilusão. Ninguém é melhor ou pior do que ninguém. Somos
todos iguais na origem e na destinação, ainda que diferentes nas bagagens,
experiências ou tendências e gostos. Cada um no seu tempo, na sua experiência,
mas todos ainda frágeis e limitados. Iludir-se com nomes ou cargos, situações
temporárias – como são todas as que vivemos – ou ocorrências tolas que são tão
comuns, criar expectativas ou alimentar tolices bem dispensáveis, é bem
caminhar para decepções futuras.
Por isso, aprendamos com as
lições vivas da experiência trazida pelo tempo. Pretensões descabidas a nada
levam. Só fomentam aflições.
Claro que não foi a frase, há
vários fatores envolvidos em toda a ocorrência, com aprendizados para todos.
Para o personagem, todavia, olhando no tempo agora, a lição foi expressiva,
convidando à prudência e cuidado nas afirmações prematuras que nos permitimos
sem reflexão. Intenção foi nobre. Equívoco esteve na pretensão. E talvez nem
tenha sido pretensão, mas entusiasmo irrefletido, outro cuidado que se deve
ter.
O personagem citado, caro leitor,
quem é? Pode ser qualquer um de nós...
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